Uma pergunta que eu ouço muito é: “mas por que é que você
quis ser psicóloga??”
Eu acho uma pergunta bem interessante, porque normalmente
ela é seguida de alguns comentários como: “como você aguenta ouvir problema o
dia inteiro?”, “deve ser tão pesado!”, “é só sofrimento!”. E bom, eu não posso
dizer que não é, em parte, um pouco disso tudo. E eu sei muito bem que,
normalmente, essas são razões mais do que suficientes para alguém nem pensar em
fazer Psicologia.
Eu fico um pouco sem graça quando começo a responder essa
pergunta porque, logo de cara, eu quero muito explicar que eu não sou sádica e
nem masoquista! Não, eu não gosto de ver o sofrimento alheio. E é claro que
mexe comigo, é claro que às vezes é desconfortável ouvir tanta coisa pesada.
Mas sim, de certa forma, eu GOSTO. Não do sofrimento do
outro. Mas do que essas vivências doloridas trazem de oportunidade de
crescimento. Porque esse é o cerne do que eu considero o meu principal
propósito ao ser psicóloga: propiciar CRESCIMENTO.
É como se ouvir as coisas doloridas fosse uma parte do
caminho bem pedregosa, mas que leva a um lugar incrível. E é por botar MUITA FÉ
nisso que eu me disponho a atravessar essas “trevas” junto com quem vem me
procurar, por mais pesado que seja, por mais pedras no caminho que tenha.
Sim, é um cotidiano difícil. Mas tem recompensas
maravilhosas. No fundo, tudo o que eu quero ver é uma evolução acontecer, e é
claro que tem um sabor incrível pensar que eu pude ajudar um pouquinho nisso. É
ser “narcisista”? Talvez seja um pouco. Talvez todo psicólogo queira brincar um
pouquinho de Deus, alterando coisas aqui e ali. Quer se sentir importante. Quer
se sentir especial. E quem não quer?
Eu costumo dizer que, pra ser psicólogo, você deve ter uma
fé inabalável no ser humano. Você precisa admirar essa espécie acima de todas
as outras (se eu admirasse mais as plantas, seria botânica, se fossem os cães,
seria veterinária). Creio que é preciso, acima de tudo, QUERER BEM ao ser que
está na sua frente, tendo ele feito o que tiver feito (guardadas, é claro, as
devidas proporções e limites pessoais).
Eu acredito na evolução humana, e acredito que a mudança é
não apenas possível – ela é na verdade a única coisa que podemos contar na vida.
A única certeza que a gente tem é que tudo vai mudar, e melhor ainda se a gente
mudar junto! E às vezes, tudo o que precisamos é de uma leve orientação, alguma
dica concreta, alguma observação que nunca fizemos antes.
Daí, segue-se a resposta para a outra frequentíssima
pergunta: por que raios eu escolhi a cognitivo-comportamental, se o grande
barato da psico é justamente a Psicanálise??
Aí, SUPRESA: pra ser psicanalista você nem precisa ser
psicólogo! Porque Psicanálise e Psicologia não são exatamente a mesma coisa.
Aliás, NÃO SÃO. A Psicanálise é um MÉTODO, assim como existem vários outros. E
é claro que a grande maioria confunde uma coisa com a outra por conta da falta
de informação. Por exemplo, você já ouviu falar em Gestalt-terapia? Em
Fenomenologia? Em Behaviorismo? Aposto que não.
Eu também não tinha ouvido falar quando entrei na faculdade,
e entrei (como todo mundo) super afim de ler Freud. E li, até o último ano da
faculdade, milhares de textos psicanalíticos que eu amava. E, momento “confesso”:
EU ODIAVA TCC. Mas odiava tanto que cabulei muitas e muitas aulas (o que me
levava a entender muito pouco e detestar mais ainda, dando início a um ciclo
sem fim que culminou em notas medíocres e pouquíssimo conhecimento).
Hoje concluo que tive uma má professora. Pois alguns anos
depois de me formar, quiseram os Deuses da Vida Profissional que eu me
interessasse justamente pela área de Saúde Mental (leia-se Doença Mental), onde
a Psicanálise veio perdendo terreno nas últimas décadas. E aí, tive que estudar
TCC na marra, por conta própria, do zero.
Foi uma descoberta incrível, guiada por excelentes “professores”
e colegas. Nessas horas você entende o quanto o aprendizado pode ser
auto-motivador quando os resultados não são apenas expressos em números na
folha de prova. Eu PRECISAVA fazer aquilo bem, pra ajudar os pacientes. Era uma
RESPONSABILIDADE.
E os resultados apareciam! E tudo fazia sentido, os pacientes
iam melhorando, eu ia estudando, cada vez mais motivada e cada vez mais
percebendo que, quando você faz algo que acredita, você faz MUITO MAIS BEM
FEITO. E que quando você sai da teoria, você desmistifica muita coisa errada
que vinha pensando a respeito.
Então, voltando à pergunta: por que a Terapia
Cognitivo-Comportamental?
Porque ela funciona.
Por que eu ACREDITO nela. Porque eu VEJO ela funcionar na minha frente, e
rápido! E vejo as pessoas mais felizes por conta de pequenas modificações nas
variáveis que estruturam suas vidas (as chamadas “contingências”). Percebi, na
prática, que às vezes apenas SABER o que está acontecendo não basta, como eu
pensava em minhas épocas de Psicanálise. Trazer a questão à consciência
raramente resolve o problema – você precisa mudar o seu comportamento!
Talvez este seja o fator que mais me encanta em ser da TCC:
perceber o sentido PRÁTICO de todo o raciocínio que embasa essa abordagem. Ver
acontecer ali não apenas a mudança de dentro pra fora (como a gente adora
falar), mas as DE FORA PRA DENTRO TAMBÉM! Perceber o valor de um novo
comportamento instalado, mesmo que, a princípio, ele não tenha sido dos mais
espontâneos, trouxe um novo sentido na minha própria existência – percebi que,
para sermos aquilo que sonhamos ser, precisamos de uma única coisa: UM
COMPORTAMENTO ORIENTADO PARA AQUILO.
E a TCC representa, hoje, o método, o “comportamento orientado”,
que me permite atingir a minha satisfação profissional. A TCC me reforça! E
como um campo em desenvolvimento que só recém está recebendo mais atenção, tem
sempre alguma coisa nova rolando que me estimula a estudar e a ser uma
profissional cada vez melhor pros meus pacientes.
Eu acho que o estudo nunca acaba. Nunca chega essa hora em
que você já sabe tudo. O conhecimento muda você, e você produz novo
conhecimento. É um ciclo sem fim, e essa constante inovação da TCC me faz ser
realizadíssima profissionalmente, por que o céu vira o limite. E pra ser
psicólogo você realmente precisa acreditar no inesgotável potencial humano,
levando em consideração todas as suas facetas: a psicológica, a biológica (tão
negligenciada pelas abordagens psicodinâmicas!) e, por que não?, até a
espiritual.
O ser humano é um ser tão rico e pleno, tão cheio de
possibilidades, que eu não poderia nunca passar minha vida explorando apenas
uma parte desse TODO que é a vida da gente. E talvez por isso que eu goste
também tanto da escrita – assim como em Psicologia, as possibilidades criativas
são infinitas. Cada paciente que encontro me proporciona um experienciar único,
uma vivência única, um universo completamente singular. É um “livro”
acontecendo bem ali na minha frente.
E é pela possibilidade de usar a felicidade alheia como
combustível da minha própria, iniciando um círculo vicioso hiper benéfico, que
hoje eu não escolheria ser ou fazer nada além do que eu já faço, estando no
exato instante, e no exato local onde me encontro.
9 comentários:
Trabalhar com amor, especialmente quando se trabalha diretamente com o sofrimento do outro é muito importante. Parabéns pelo blog e pelo sua escolha profissional.
Bastante interessante, gostei muito! Parabéns! Vejo a Psicologia como uma profissão admirável, não tem coisa melhor do que ouvir, ajudar, e aprender com os próprios seres humanos!
Nunca vi muito sentido na psicanálise, feito diz o psiquiatra curitibano eduardo adnet é um conjunto de crenças até hoje sem provas científicas
Muito obrigada pelos comentários!
Embora eu acredite muito na TCC, acho que existe espaço para todas as abordagens e "paixões", basta que se saiba exatamente qual é a mais indicada para a demanda do paciente!
Oi Ana Paula, seus relatos contribuíram muito para mim, sou recém forma e de cara passei em um concurso na minha cidade, estou atendendo muitos casos complicados, que antes, na faculdade, nunca havia me deparado, estou usando a tcc mais percebo que ainda estou leiga no assunto, queria saber se você tem alguma dica de livros, para utilizar técnicas para trabalhar com suicidas, você tem algum grupo de estudo ou algo assim? Supervisão online? rsrs nossa está sendo bem difícil pra mim, pensei varias vezes em desistir do concurso pela gravidade dos casos que chegam até mim.
Oi Thais,
Obrigada por me escrever. Você está fazendo correto: pedindo ajuda.
Veja só, o que você precisa não é um livro cheio de técnicas... aplicar técnicas sem o embasamento teórico, a compreensão do quadro, será bastante superficial e não te trará grande conforto, muito menos segurança em atender estes pacientes difíceis.
Sugiro que você busque supervisão, de preferência em grupo e com um profissional que seja super de confiança, se possível especialista na área!
A TCC não é um conjunto de técnicas apenas, e sim uma abordagem com um corpo teórico forte e bastante estruturado. Sua prática precisa estar alinhada com esse corpo teórico, e acredito que é neste escopo teórico que você precisa de maior aprofundamento.
Sobre suicídio, gosto muito da abordagem da DBT da Marsha Linehan. Existe um livro que é o manual para o terapeuta e tb tem o manual para o paciente, sugiro a aquisição de ambos. A DBT é uma terapia comportamental que é formulada para pacientes borderline, mas a própria Linehan diz que é apropriada a qualquer paciente grave e especialmente os suicidas.
O livro se chama "Terapia Cognitivo Comportamental para Transtorno de Personalidade Borderline".
Espero ter ajudado!
Um abraço,
Ana
Parabéns Ana Paula! Adorei a sua página e os seus textos. Eu sou formada em Psicologia há 17 anos, fiz especialização em psicossomática e TCC. Desde da faculdade que eu não me identifiquei com a psicanálise e sim comportamental.
Realmente, ser psicóloga é um crescimento pessoal, profissional e espiritual. Amo ser psicóloga, apesar de ser pedagoga e Bacharel em direito. Fui professora e diretora de escola por 23 anos.
Tdos os profissionais que trabalham contribuindo para o crescimento interior do ser humano, tem muito amor na sua profissão.
Que Deus te abençoe na sua caminhada.
Bjs
Maravilhoso. Amei a forma como você se posiciona e o respeito que demonstra as outras abordagens, pois já vi alguns vídeos onde o psicanalista falava que TCC não era para ser tratada como abordagem psicológica. Enfim, são nas pequenas coisas que observamos melhor a postura do profissional.
Muito esclarecedor seus posts. Parabéns.
Obrigada pelos comentários, Clemildes e Suzana!
É um prazer ver que minhas palavras tocam um pouquinho o coração das pessoas.
Penso que devemos todos nos unir por uma Psicologia compassiva, amorosa, mas tb baseada em evidências.
Sigamos juntos!
um forte abraço!
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