Ouço, com frequência, alguém dizer que pensa em fazer terapia
cognitivo-comportamental, mas que “não sabe”. Também com alguma freqüência,
pessoas que me procuram interessadas em iniciar um processo psicoterapêutico em
TCC se dizem preocupadas quanto ao que esperar. Às vezes pessoas me pedem
indicações de psicoterapeutas e, quando eu pergunto se de fato foram
consultá-lo(a), elas revelam que desistiram - em algum momento entre pegarem o
telefone do psicólogo e chegarem ao telefone para contatá-lo.
Essas intercorrências por vezes me fazem pensar sobre o que
acontece com os potenciais pacientes que, muitas vezes, jamais chegam a se
consultar com um terapeuta cognitivo-comportamental, a despeito de terem tido
iniciativas nesse sentido. Onde eles foram parar? O que os levou a desistir?
Eu costumo brincar dizendo que na porta de todo consultório
de psicologia existe um “buraco de espera”. Neste buraco, os pacientes podem
acabar caindo e permanecendo por meses, às vezes anos, sem jamais tocar a
campainha. Às vezes trata-se apenas de um período de “fermentação” da idéia de
iniciar psicoterapia. Mas às vezes, este “buraco” se torna um muro, uma parede
intransponível, que alguns jamais atravessam.
Recentemente, me dediquei a descobrir o que acontece neste “buraco”,
e me deparei com aquilo que, via de regra, permeia nosso cotidiano
integralmente: as crenças. Quando recebo um paciente, gosto de perguntar a ele:
o que você espera da TCC? O que se revela, com esta simples pergunta, é que os pacientes
têm suas próprias crenças sobre o que poderão esperar de uma terapia – o que
irá acontecer, como serão as sessões, o que precisarão fazer. E, infelizmente,
ocorre que na grande maioria das vezes estas crenças são bastante irreais, ou
ao menos pouco razoáveis.
A Psicologia, e em especial a TCC, é uma área complicada, e
já passou por inúmeros momentos sociais e políticos. Mas sem exceção, todos os
momentos foram marcados por bastante estigma: terapia é para loucos! Terapia é
para quem está mal. Pessoas fracas fazem terapia. A terapia muda quem você é. Eu
vou ter que contar meus segredos. O terapeuta vai me julgar.
E em relação à TCC,
especificamente: o terapeuta vai mandar em mim. Vou ser domesticado. O
terapeuta é alguém frio. A terapia será distante, desprovida de afeto. O
terapeuta não tem problemas (essa é ótima). Eu vou falar o que está acontecendo
e ele vai me dar a solução. Vou ter que fazer mil lições de casa.
Algumas pessoas ficam desconfortáveis com estas ideias e desistem
de procurar uma TCC. Outras chegam à
terapia com expectativas altíssimas e se frustram. Então elas vão embora. As
perdemos “para sempre”. Por isso, considero algo imprescindível a INFORMAÇÃO.
Romper os paradigmas e as crenças irreais sobre o processo de psicoterapia em
TCC é a primeira tarefa que me proponho ao iniciar um processo de psicoterapia
com um paciente, e é algo que faço através de materiais simples como folhetos
explicativos e muita discussão a respeito.
Conseguir proporcionar um ambiente seguro, em que as expectativas
do paciente possam ser moduladas, é um grande preditor de sucesso da terapia, e
aqui neste post procurei reunir algumas informações básicas que se propõem a
responder a grande pergunta: o que posso
esperar da terapia cognitivo-comportamental?
AMBIENTE SEGURO
Quem procura uma terapia normalmente já se encontra em um
processo de tentativa de mudança e, na maioria das vezes, já tentou sozinho
modificar coisas importantes. Já leu livros, conversou com amigos, procurou a
família, testou possibilidades – sem sucesso ou com resultados aquém do que
esperava. Então, vias de regra, o paciente chega ao consultório em um certo “ponto
de urgência”, em que se dispõe a pedir ajuda de um “estranho” para modificar
sua vida.
Como em QUALQUER abordagem clínica de psicoterapia, é
crucial que essa pessoa, que normalmente está sofrendo, sinta-se acolhida e
segura. Ela não quer encontrar mais julgamentos – o que ocorre facilmente nas
relações permeadas por afeto e por expectativas como amigos e parentes. Muitos
pacientes têm medo do que o terapeuta irá pensar, mas essa é uma preocupação
desnecessária, apesar de bastante natural. A terapia deve proporcionar um ambiente de
confidencialidade e conforto, um local em que possa se despir de quaisquer máscaras
que sinta necessidade de utilizar em seu cotidiano, e o terapeuta responsável
deverá adotar uma postura de neutralidade, empatia e aceitação, e de absoluto
comprometimento com o processo de mudança.
O terapeuta responsável, seja ele cognitivo-comportamental
ou não, cuidará para que o paciente sinta-se bem-vindo, e fará de seu processo
uma prioridade durante aquele período semanal em que se encontram. As questões
de sigilo e segurança são premissas básicas de todas as abordagens clínicas,
que devem permear o processo desde o primeiro encontro, e também devem ser alvo
de discussão caso isso se faça necessário. Pacientes com problemas de confiança
devem poder relatar seus sentimentos a respeito, e serem incondicionalmente
apoiados – ali é o espaço correto para poder falar a respeito.
SOLUÇÕES MÁGICAS x ESFORÇO
Qualquer terapia é um processo a dois. Em TCC, essa condição
é elevada ao cubo. Paciente e terapeuta formam uma equipe, cujo principal
objetivo é o alcance das metas estipuladas. Para tanto, cada um deverá assumir
suas próprias responsabilidades, o que envolve esforço e dedicação. Por vezes,
o paciente imagina que, ao colocar seu problema em discussão, o terapeuta terá
uma resposta rápida, mágica, brilhante, um exercício de casa ou algo que “ele
nunca havia pensado antes”. Essa é uma das crenças mais irreais que existem, mas
que é muito fomentada pelos livros e filmes que abordam a temática da terapia.
Na grande maioria das vezes, a “solução” apresentada é velha
conhecida do paciente, e muito provavelmente já foi inclusive tentada. O que
muda é que o paciente não está mais sozinho em sua jornada: o terapeuta atuará
como um técnico, que intervirá tanto para motivá-lo, quanto para ajudá-lo a
atravessar os obstáculos naturais do caminho. Em TCC, essa colaboração é um dos
aspectos mais fundamentais, um verdadeiro alicerce do processo. A ideia
principal é a de que, juntos, podem otimizar o processo de mudança, mas que não
é possível retirar o esforço da equação – nem do paciente, nem do terapeuta. Mudar
exige empenho, dedicação, persistência e uma grande dose de confiança.
COMPROMETIMENTO
Enquanto equipe, terapeuta e paciente têm um compromisso um
para com o outro. Isso significa que, juntos, deverão fazer da terapia uma
grande prioridade, algo a ser levado realmente a sério, especialmente em termos
de assiduidade, pontualidade e execução de tarefas e exercícios. Muitas pessoas
acham esse aspecto algo difícil de lidar a princípio, pois requer que haja um
verdadeiro enquadre daquela situação dentro da vida do paciente. A terapia
deverá encontrar um espaço dentro de seu dia-a-dia, um espaço constante em sua
mente, uma dedicação genuína.
É claro que, como em qualquer compromisso que se assuma,
faltas e atrasos são esperados, mas compreender o nível de responsabilidade
envolvido num processo de mudança é uma parte fundamental do processo, pois
significa, em última análise, comprometer-se consigo mesmo. Da mesma maneira que alguém evitará faltar a uma
hemodiálise, por exemplo, ou a um encontro importante por reconhecer a
importância que tal evento terá para sua vida e seu bem estar, a terapia deverá
ser encarada e priorizada da mesma forma.
Isso também é válido no que se refere às tarefas de casa –
uma parte importante e de destaque na TCC. Eu costumo dizer que TCC é 50
minutos no consultório e outros 6 dias, 23 horas e 10 minutos fora dele.
Comprometer-se com as tarefas, realizá-las, e manter a terapia “em ação” em seu
cotidiano é fundamental para se obter bons resultados. Novamente, é um
compromisso consigo mesmo.
TROCA
Muitas pessoas, ao procurarem terapia, se dizem um pouco
desmotivadas com a ideia de “falarem o tempo todo”. Elas se perguntam o que
tanto irão falar, e no que falar poderá de fato ajudá-las. Muitas sentem-se
sozinhas num cenário assim. Especificamente no que se refere à TCC, alguns
pacientes sentem-se surpresos quanto à pró-atividade do terapeuta e o diálogo
intenso que ocorre em sessão. A bem da verdade, muitos procuram a TCC
justamente por já terem se fartado de “apenas falar”.
Talvez devido às características próprias da TCC, é verdade
que o terapeuta desta abordagem costuma ser mais dinâmico e participativo. Ele
realmente assume a sua parte da responsabilidade, que seja: desafiar e
questionar os pensamentos e crenças do paciente com bastante frequência. As intervenções
comportamentais são, muitas vezes, sugeridas pelo terapeuta, que através da
análise cuidadosa das contingências atuais descritas pelo paciente, observa
possibilidades ricas de mudança.
O diálogo em TCC costuma ser intenso, o que poderá causar
estranheza a pacientes que venham de outras abordagens clínicas. Com o tempo,
entretanto, percebem que o espaço da fala é assim melhor distribuído, e que a
fala do terapeuta tem caráter objetivo, já que o propósito da TCC não é apenas
catártico (“desabafar”) – e sim de ação e mudança.
EMPATIA, AFETO E ELABORAÇÃO EMOCIONAL
Uma das maiores crenças a respeito da TCC talvez seja a de
que o terapeuta é um indivíduo frio e racional, e que não há espaço para emoções
na relação terapêutica e no trabalho em TCC. Nada poderia ser mais equivocado –
as emoções são uma parte indispensável do processo, uma importantíssima porta de
entrada para o mundo da cognição.
Em parte, essa ideia sobre a extrema racionalidade da TCC se
deve a que, de fato, são as cognições do paciente o enfoque central de todo o
tratamento, inclusive para que resultados possam aparecer mais rapidamente –
isso requer mais objetividade e foco. Mas isso não significa, em absoluto,
desqualificar ou não dar a atenção devida às emoções, até porque se não fossem
as emoções, indivíduo nenhum procuraria fazer terapia.
O paciente que chega ao consultório está normalmente,
sofrendo. Esse sofrimento precisa ser acolhido, mas são suas bases cognitivas
que serão esmiuçadas. Isso devido às bases teóricas da TCC, que consideram a
interpretação dos eventos (e não apenas o que se sente sobre eles) a verdadeira
causa das emoções ditas “negativas”, e a chave do processo de mudança. Poderá
parecer que a emoção não é o “ponto alto” do processo, mas essa percepção se
revelará brevemente infundada quando o paciente entender que seu processo de
mudança requererá a compreensão emocional.
Portanto, é claro que a emoção precisará ser trazida à tona
no processo terapêutico. Não há mudança verdadeira que não passe por uma
mudança emocional. Isso também é verdadeiro no que tange a relação terapêutica,
pois são dois seres humanos complexos que estão interagindo e buscando soluções
para um sofrimento. Todo processo psicoterápico requer uma relação de confiança
e de empatia, ou seja: um vínculo de afeto. O terapeuta
cognitivo-comportamental é obviamente empático e acolhedor, porém é,
definitivamente, mais objetivo.
PARA RESUMIR...
O que se pode esperar da terapia e, mais especificamente, da
TCC?
Um local seguro e acolhedor, onde se desenvolverá uma
relação de confiança, afeto e empatia. Um local para ser autêntico e genuíno,
pois afinal, para atingir qualquer objetivo, é necessário conhecer bem o ponto
de partida. Para tanto, deverá haver objetividade, foco e comprometimento – a “equipe”
formada entre terapeuta e paciente trabalhará com afinco, com esforço, em
direção às metas estipuladas. Acima de tudo, pode-se esperar que a terapia seja
um momento de encontro consigo mesmo, de auto-estudo e de compreensão do
próprio funcionamento, de suas emoções e cognições. Pois nos dizeres de
Epicteto, grande filósofo e influência significativa da Terapia Cognitiva: “é impossível para um homem aprender aquilo que ele acha
que já sabe.”
9 comentários:
Muito bom!! :)
Trabalho com TCC e adorei seu post.
Trabalho com TCC e adorei seu post.
Que delícia saber disso! Obrigada!
Nossa, estou apaixonada pelo TCC. Sou recém- formada e estou lendo e absorvendo tudo que posso. A propósito, também adorei seu post sobre a sessão de relaxamentos na terapia.
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