sábado, 3 de março de 2012

As Bases Históricas da Terapia Cognitiva

Embora os primeiros estudos de Aaron Beck, considerado por muitos o “pai da Terapia Cognitiva”, datem da década de 60, é possível dizer que as teorias cognitivistas já circulam na humanidade há tempos. Se não como teorias consolidadas e estruturadas, ao menos as ideias principais que a constituem podem ser encontradas, em maior ou menor grau, em diversas obras e no discurso de muitos pensadores ao longo da nossa História.


Aaron Beck, o pai da Terapia Cognitiva.

Grosso modo, a teoria que embasa a Terapia Cognitiva (TC) preconiza que sentimentos e comportamentos têm origem primária nas ideias, ou seja, nos pensamentos e na compreensão que um indivíduo possui sobre o mundo. Isso equivale dizer que a maneira como uma pessoa compreende e interpreta seu mundo é o que, via de regra, determina suas ações e seus estados emocionais.

Esta ideia, defendida por outros inúmeros teóricos (Alfred Adler, George Kelly, Albert Ellis entre outros), está na base dos muitos tipos diferentes de TC, sendo que um ou outro focará mais intensamente em aspectos desta mesma base.

Entretanto, embora se considere a verdadeira genialidade de tantos teóricos em construir modelos de atendimentos psicológicos que englobem tais hipóteses e que ofereça uma estrutura básica pela qual se orientar, é necessário conhecer o que veio antes: as mais antigas raízes do cognitivismo.

Peguemos, a título de exemplo, a seguinte frase do filósofo grego Epictetos, que viveu aproximadamente no século I DC:

Não são as coisas que nos perturbam, mas a visão que temos destas coisas.”

Ora, trata-se da ideia primordial da TC: a interpretação do indivíduo é o que determinará sua experiência – se boa, se má, se traumática, se prazerosa. A concepção de neutralidade dos fenômenos é mister desta linha de pensamento, considerando que, a priori, nenhum evento possui essência em si, cabendo ao indivíduo defini-lo, de acordo com um sistema individual e bastante particular de crenças e valores.

Epicteto e Seneca, filósofos gregos.

Da mesma forma, dizia Sêneca:
“As coisas que nos assustam são em maior número do que as que efetivamente fazem mal, e afligimo-nos mais pelas aparências do que pelos fatos reais.”

Mas não apenas no estoicismo grego de Seneca e Epicteto encontramos referências de base da TC. No taoismo, no budismo e em diversas correntes filosóficas orientais, encontramos igualmente linhas de pensamento que defendem a mesma ideia da definição cognitiva dos fenômenos: nosso aparato cognitivo, nossas crenças e nossas visões de mundo são o que definem, em termos de valores, os fenômenos que vivenciamos.

Se, em um protocolo básico de atendimento em TC, parte do trabalho fundamental consiste em auto-monitoramento de pensamento, identificação de erros cognitivos e formulação de pensamentos mais adaptativos e baseados em exames de realidade, o que dizer da seguinte citação, do antigo texto O Sutra da Guirlanda de Flores, que data do século III DC, que diz que “a mente é um artista. Essa mente-artista produz agregados e universos. Tudo são desenhos da mente. Ela pinta seu próprio mundo.” ?

Tal concepção revela-se absolutamente coerente com a ideia da existência de um sistema de crenças, por vezes irracionais ou desadaptativas, que produzem pensamentos e humores negativos, por se pautarem em uma realidade subjetiva e desorganizada, construída pelo próprio indivíduo que a vivencia. E de que, na medida em que este indivíduo responsabiliza-se pela própria transformação e assume maior controle sobre seus pensamentos, sua realidade pode ser modificada, como disse Aaron Beck, em 1982:

“As ideias não só podem controlar os sentimentos mais intensos de uma pessoa, como também são capazes de modificá-los.”

Da mesma forma, o antigo texto indiano Dhammapada, datado de aproximadamente 400 AC, diz: “Tudo que somos é resultado daquilo que pensamos. Uma mente disciplinada conduz à felicidade”. 

Shakkyamuni Buddha, fundador do Budismo.


Outras características básicas das TC’s também se fundamentam em filosofias antiquíssimas. O caráter atual do modelo psicoterápico em TC, por exemplo, baseia-se especialmente na noção de que muitas formas de sofrimento têm suas origens no passado, mas que se atualizam constantemente no momento presente; daí, a noção de que é mais eficiente o trabalho que é focado no aqui-e-agora e nas circunstâncias atuais do indivíduo. Da mesma maneira, as correntes religiosas orientais orientam o foco no momento presente como forma de disciplinar a mente inquieta, que “está sempre ativa, saltitando daqui para lá, sendo difícil de controlar; mas a mente disciplinada é tranqüila; portanto, é bom ter sempre a mente sob controle. Não viva no passado, não sonhe com o futuro, concentre a mente no momento presente(Shakyamunni Buddha, 560ac – 480ac).

O modelo educativo das TC’s também evoca a ideia de autocontrole e auto-observação, defendida já há muito séculos por diferentes correntes de pensamento. A própria prática da meditação, carro-chefe de inúmeras linhas filosóficas e religiosas orientais, subentende a auto-observação como tarefa principal daquele que busca o auto-conhecimento. E a ciência moderna confirma, através de suas pesquisas, que a meditação equivale ao uso de antidepressivos na prevenção à recaída de um Transtorno Depressivo.

Através deste tipo de revisão histórica, podemos dizer que a humanidade vem re-inventando seus antigos métodos e costumes, resgatando das tradições mais antigas os fundamentos de nossa própria modernidade. Assim como as ciências vêm refutando antigos mitos e crendices – hipóteses de quem ainda não possuía tecnologia suficiente para realmente explicar os fenômenos – hoje podemos ver também uma “reciclagem” de conceitos antigos, que são transportados diretamente para dentro das abordagens mais modernas no que se refere à natureza, ao ser humano e a interrelação de ambos.

Exatamente como nas palavras de Lavoisier (1743 – 1794), em seu Princípio da Conservação das Massas:

Na natureza nada se cria, e nada se perde. Tudo se transforma.