sexta-feira, 10 de maio de 2013

O que esperar da terapia?





Ouço, com frequência, alguém dizer que pensa em fazer terapia cognitivo-comportamental, mas que “não sabe”. Também com alguma freqüência, pessoas que me procuram interessadas em iniciar um processo psicoterapêutico em TCC se dizem preocupadas quanto ao que esperar. Às vezes pessoas me pedem indicações de psicoterapeutas e, quando eu pergunto se de fato foram consultá-lo(a), elas revelam que desistiram - em algum momento entre pegarem o telefone do psicólogo e chegarem ao telefone para contatá-lo.

Essas intercorrências por vezes me fazem pensar sobre o que acontece com os potenciais pacientes que, muitas vezes, jamais chegam a se consultar com um terapeuta cognitivo-comportamental, a despeito de terem tido iniciativas nesse sentido. Onde eles foram parar? O que os levou a desistir?

Eu costumo brincar dizendo que na porta de todo consultório de psicologia existe um “buraco de espera”. Neste buraco, os pacientes podem acabar caindo e permanecendo por meses, às vezes anos, sem jamais tocar a campainha. Às vezes trata-se apenas de um período de “fermentação” da idéia de iniciar psicoterapia. Mas às vezes, este “buraco” se torna um muro, uma parede intransponível, que alguns jamais atravessam.

Recentemente, me dediquei a descobrir o que acontece neste “buraco”, e me deparei com aquilo que, via de regra, permeia nosso cotidiano integralmente: as crenças. Quando recebo um paciente, gosto de perguntar a ele: o que você espera da TCC? O que se revela, com esta simples pergunta, é que os pacientes têm suas próprias crenças sobre o que poderão esperar de uma terapia – o que irá acontecer, como serão as sessões, o que precisarão fazer. E, infelizmente, ocorre que na grande maioria das vezes estas crenças são bastante irreais, ou ao menos pouco razoáveis.

A Psicologia, e em especial a TCC, é uma área complicada, e já passou por inúmeros momentos sociais e políticos. Mas sem exceção, todos os momentos foram marcados por bastante estigma: terapia é para loucos! Terapia é para quem está mal. Pessoas fracas fazem terapia. A terapia muda quem você é. Eu vou ter que contar meus segredos. O terapeuta vai me julgar.

 E em relação à TCC, especificamente: o terapeuta vai mandar em mim. Vou ser domesticado. O terapeuta é alguém frio. A terapia será distante, desprovida de afeto. O terapeuta não tem problemas (essa é ótima). Eu vou falar o que está acontecendo e ele vai me dar a solução. Vou ter que fazer mil lições de casa.
Algumas pessoas ficam desconfortáveis com estas ideias e desistem de procurar uma TCC.  Outras chegam à terapia com expectativas altíssimas e se frustram. Então elas vão embora. As perdemos “para sempre”. Por isso, considero algo imprescindível a INFORMAÇÃO. Romper os paradigmas e as crenças irreais sobre o processo de psicoterapia em TCC é a primeira tarefa que me proponho ao iniciar um processo de psicoterapia com um paciente, e é algo que faço através de materiais simples como folhetos explicativos e muita discussão a respeito.

Conseguir proporcionar um ambiente seguro, em que as expectativas do paciente possam ser moduladas, é um grande preditor de sucesso da terapia, e aqui neste post procurei reunir algumas informações básicas que se propõem a responder a grande pergunta: o que posso esperar da terapia cognitivo-comportamental?



AMBIENTE  SEGURO

Quem procura uma terapia normalmente já se encontra em um processo de tentativa de mudança e, na maioria das vezes, já tentou sozinho modificar coisas importantes. Já leu livros, conversou com amigos, procurou a família, testou possibilidades – sem sucesso ou com resultados aquém do que esperava. Então, vias de regra, o paciente chega ao consultório em um certo “ponto de urgência”, em que se dispõe a pedir ajuda de um “estranho” para modificar sua vida.

Como em QUALQUER abordagem clínica de psicoterapia, é crucial que essa pessoa, que normalmente está sofrendo, sinta-se acolhida e segura. Ela não quer encontrar mais julgamentos – o que ocorre facilmente nas relações permeadas por afeto e por expectativas como amigos e parentes. Muitos pacientes têm medo do que o terapeuta irá pensar, mas essa é uma preocupação desnecessária, apesar de bastante natural.  A terapia deve proporcionar um ambiente de confidencialidade e conforto, um local em que possa se despir de quaisquer máscaras que sinta necessidade de utilizar em seu cotidiano, e o terapeuta responsável deverá adotar uma postura de neutralidade, empatia e aceitação, e de absoluto comprometimento com o processo de mudança.

O terapeuta responsável, seja ele cognitivo-comportamental ou não, cuidará para que o paciente sinta-se bem-vindo, e fará de seu processo uma prioridade durante aquele período semanal em que se encontram. As questões de sigilo e segurança são premissas básicas de todas as abordagens clínicas, que devem permear o processo desde o primeiro encontro, e também devem ser alvo de discussão caso isso se faça necessário. Pacientes com problemas de confiança devem poder relatar seus sentimentos a respeito, e serem incondicionalmente apoiados – ali é o espaço correto para poder falar a respeito.

SOLUÇÕES MÁGICAS x ESFORÇO

Qualquer terapia é um processo a dois. Em TCC, essa condição é elevada ao cubo. Paciente e terapeuta formam uma equipe, cujo principal objetivo é o alcance das metas estipuladas. Para tanto, cada um deverá assumir suas próprias responsabilidades, o que envolve esforço e dedicação. Por vezes, o paciente imagina que, ao colocar seu problema em discussão, o terapeuta terá uma resposta rápida, mágica, brilhante, um exercício de casa ou algo que “ele nunca havia pensado antes”. Essa é uma das crenças mais irreais que existem, mas que é muito fomentada pelos livros e filmes que abordam a temática da terapia.

Na grande maioria das vezes, a “solução” apresentada é velha conhecida do paciente, e muito provavelmente já foi inclusive tentada. O que muda é que o paciente não está mais sozinho em sua jornada: o terapeuta atuará como um técnico, que intervirá tanto para motivá-lo, quanto para ajudá-lo a atravessar os obstáculos naturais do caminho. Em TCC, essa colaboração é um dos aspectos mais fundamentais, um verdadeiro alicerce do processo. A ideia principal é a de que, juntos, podem otimizar o processo de mudança, mas que não é possível retirar o esforço da equação – nem do paciente, nem do terapeuta. Mudar exige empenho, dedicação, persistência e uma grande dose de confiança.

COMPROMETIMENTO

Enquanto equipe, terapeuta e paciente têm um compromisso um para com o outro. Isso significa que, juntos, deverão fazer da terapia uma grande prioridade, algo a ser levado realmente a sério, especialmente em termos de assiduidade, pontualidade e execução de tarefas e exercícios. Muitas pessoas acham esse aspecto algo difícil de lidar a princípio, pois requer que haja um verdadeiro enquadre daquela situação dentro da vida do paciente. A terapia deverá encontrar um espaço dentro de seu dia-a-dia, um espaço constante em sua mente, uma dedicação genuína.

É claro que, como em qualquer compromisso que se assuma, faltas e atrasos são esperados, mas compreender o nível de responsabilidade envolvido num processo de mudança é uma parte fundamental do processo, pois significa, em última análise, comprometer-se consigo mesmo. Da mesma maneira que alguém evitará faltar a uma hemodiálise, por exemplo, ou a um encontro importante por reconhecer a importância que tal evento terá para sua vida e seu bem estar, a terapia deverá ser encarada e priorizada da mesma forma.

Isso também é válido no que se refere às tarefas de casa – uma parte importante e de destaque na TCC. Eu costumo dizer que TCC é 50 minutos no consultório e outros 6 dias, 23 horas e 10 minutos fora dele. Comprometer-se com as tarefas, realizá-las, e manter a terapia “em ação” em seu cotidiano é fundamental para se obter bons resultados. Novamente, é um compromisso consigo mesmo.

TROCA

Muitas pessoas, ao procurarem terapia, se dizem um pouco desmotivadas com a ideia de “falarem o tempo todo”. Elas se perguntam o que tanto irão falar, e no que falar poderá de fato ajudá-las. Muitas sentem-se sozinhas num cenário assim. Especificamente no que se refere à TCC, alguns pacientes sentem-se surpresos quanto à pró-atividade do terapeuta e o diálogo intenso que ocorre em sessão. A bem da verdade, muitos procuram a TCC justamente por já terem se fartado de “apenas falar”.

Talvez devido às características próprias da TCC, é verdade que o terapeuta desta abordagem costuma ser mais dinâmico e participativo. Ele realmente assume a sua parte da responsabilidade, que seja: desafiar e questionar os pensamentos e crenças do paciente com bastante frequência. As intervenções comportamentais são, muitas vezes, sugeridas pelo terapeuta, que através da análise cuidadosa das contingências atuais descritas pelo paciente, observa possibilidades ricas de mudança.

O diálogo em TCC costuma ser intenso, o que poderá causar estranheza a pacientes que venham de outras abordagens clínicas. Com o tempo, entretanto, percebem que o espaço da fala é assim melhor distribuído, e que a fala do terapeuta tem caráter objetivo, já que o propósito da TCC não é apenas catártico (“desabafar”) – e sim de ação e mudança.



EMPATIA, AFETO E ELABORAÇÃO EMOCIONAL

Uma das maiores crenças a respeito da TCC talvez seja a de que o terapeuta é um indivíduo frio e racional, e que não há espaço para emoções na relação terapêutica e no trabalho em TCC. Nada poderia ser mais equivocado – as emoções são uma parte indispensável do processo, uma importantíssima porta de entrada para o mundo da cognição.

Em parte, essa ideia sobre a extrema racionalidade da TCC se deve a que, de fato, são as cognições do paciente o enfoque central de todo o tratamento, inclusive para que resultados possam aparecer mais rapidamente – isso requer mais objetividade e foco. Mas isso não significa, em absoluto, desqualificar ou não dar a atenção devida às emoções, até porque se não fossem as emoções, indivíduo nenhum procuraria fazer terapia.

O paciente que chega ao consultório está normalmente, sofrendo. Esse sofrimento precisa ser acolhido, mas são suas bases cognitivas que serão esmiuçadas. Isso devido às bases teóricas da TCC, que consideram a interpretação dos eventos (e não apenas o que se sente sobre eles) a verdadeira causa das emoções ditas “negativas”, e a chave do processo de mudança. Poderá parecer que a emoção não é o “ponto alto” do processo, mas essa percepção se revelará brevemente infundada quando o paciente entender que seu processo de mudança requererá a compreensão emocional.

Portanto, é claro que a emoção precisará ser trazida à tona no processo terapêutico. Não há mudança verdadeira que não passe por uma mudança emocional. Isso também é verdadeiro no que tange a relação terapêutica, pois são dois seres humanos complexos que estão interagindo e buscando soluções para um sofrimento. Todo processo psicoterápico requer uma relação de confiança e de empatia, ou seja: um vínculo de afeto. O terapeuta cognitivo-comportamental é obviamente empático e acolhedor, porém é, definitivamente, mais objetivo.

PARA RESUMIR...

O que se pode esperar da terapia e, mais especificamente, da TCC?

Um local seguro e acolhedor, onde se desenvolverá uma relação de confiança, afeto e empatia. Um local para ser autêntico e genuíno, pois afinal, para atingir qualquer objetivo, é necessário conhecer bem o ponto de partida. Para tanto, deverá haver objetividade, foco e comprometimento – a “equipe” formada entre terapeuta e paciente trabalhará com afinco, com esforço, em direção às metas estipuladas. Acima de tudo, pode-se esperar que a terapia seja um momento de encontro consigo mesmo, de auto-estudo e de compreensão do próprio funcionamento, de suas emoções e cognições. Pois nos dizeres de Epicteto, grande filósofo e influência significativa da Terapia Cognitiva: “é impossível para um homem aprender aquilo que ele acha que já sabe.