quarta-feira, 28 de novembro de 2012

Conduta evitativa - o papel da coerção nas emoções negativas




Trabalhar as emoções envolve, necessariamente, trabalhar outra dimensão humana: o comportamento. E embora pareçam esferas antagônicas (o “fazer” do “sentir”), cotidianamente notamos que estes aspectos caminham, via de regra, lado a lado.

A distinção entre sentimento e comportamento parece clara, mas pode se tornar especialmente ardilosa quando o próprio sentir é uma forma de reagir ao mundo. Pois comportar-se nada mais é do que isso: uma ação que acontece diante de um estímulo, qualquer que seja ele. Sob este ponto de vista, pegar um copo de água pode ser um comportamento, mas chatear-se com um comentário do chefe também o é. Sendo assim, podemos dizer que, a princípio, o sentir é uma forma encoberta de se comportar, dado que não é visível e às vezes nem acessível ao outro.

Assim sendo, as próprias emoções são comportamentos – e é por isso que trabalhar as emoções significa trabalhar, intrinsecamente, o comportamento, e vice-versa.

Emoções positivas (alegria, orgulho, satisfação etc) dificilmente são demandas do trabalho terapêutico, ao passo que as emoções negativas (raiva, tristeza, inveja, ansiedade, ciúmes etc) o são. Normalmente, em um momento de crise, são as emoções negativas que estão em jogo, embora frequentemente exista um misto de sentimentos bons e ruins acontecendo. Como podemos compreender um cenário marcado por angústia e sofrimento? Como integrar nossos conhecimentos sobre o comportamento humano ao trabalho emocional?

Antes de mais nada, é interessante frisar que a grande maioria das emoções e sentimentos humanos são inatos, ou seja, nos acompanham desde o nascimento. Na maior parte das vezes, o sentir é uma reação natural do ser humano diante de situações eliciadoras; mas há vezes outras que uma determinada emoção se constitui de determinada maneira por meio de aprendizagem.

A aprendizagem é a principal forma pela qual um ser humano se desenvolve e apreende novos comportamentos. Aprendemos o tempo todo, sem que essa ideia fique restrita aos processos formais de ensino (a escola, um curso, um livro). A aprendizagem está em todo lugar, em todo momento, e se dá através de processos funcionais de interação entre indivíduo e meio-ambiente.

Por funcional¸ quero dizer que é a função de um determinado comportamento que o estrutura como parte de nosso repertório ou não. Agimos de determinada forma, e se esta provocar algum efeito sobre nossas necessidades, ou fizer algum sentido dentro do cenário no qual nos encaixamos, podemos dizer que este comportamento tem altas chances de ser satisfatoriamente aprendido. Se um dia sentimos sede, e ao pegarmos o copo de água e tomarmos, aplacamos nossa sede, tornaremos a fazer isso toda vez que sentirmos sede. Pronto: aprendemos algo. Por que uma determinada criança faz tanta birra com seus pais? Por que é que chora, se joga no chão, grita e emburra quando os pais lhe negam algo? Podemos dizer, caso este seja um comportamento costumaz, que houve um processo de aprendizagem: muito provavelmente, as birras e o choro trouxeram benefícios no passado – o pai comprou-lhe o pirulito, a mãe a deixou ir para a cama sem escovar os dentes – e assim ela utiliza esta conduta como forma de obter determinadas coisas.

Isso vale para quase tudo, incluindo aí o papel das emoções. Todos nós já conhecemos alguém que, através da tristeza, ganha muita atenção de seus amigos ou do cônjuge, ou de alguém que com muita frequência fica bravo e agressivo quando é contrariado. Podemos arriscar dizer que, possivelmente, também estas emoções foram reforçadas (por suas consequências) ao longo da história de vida da pessoa, cristalizando-se, com frequência, como parte integrante do repertório daquele indivíduo.

Embora existam situações excepcionais, em que alguma patologia pode estar instalada (a Depressão enquanto um desequilíbrio químico cerebral, por exemplo), podemos dizer que, via de regra, tanto comportamentos quantos sentimentos são aprendidos. E outra conclusão, a partir daí, torna-se bastante lógica: quanto mais funcional é uma conduta, mais frequente ela se torna.

Aprendemos, portanto, mediados pela consequência de nossos comportamentos. Isso significa obter coisas, mas também significa evitar coisas. É fácil pensar num exemplo: um casal em que, toda vez que há uma briga, um dos cônjuges desata a chorar. Se quisermos entender a função deste choro, é só observar o que acontece imediatamente após: a briga cessa? Talvez o outro cônjuge, sentindo-se culpado, passe a minimizar o conflito e a fazer carinho no parceiro. Ou talvez um espancamento cesse com o início do choro. Se isso ocorre com relativa frequência, podemos inferir de que o choro tem como função esquivar-se da briga, já que põe fim à mesma.

Esquiva é um dos processos humanos mais comuns, e não é arriscado dizer que é um produto muito sólido de aprendizagem através de consequências negativas – a coerção. Coerção é uma forma sutil de descrever uma ameaça: algo ruim se seguirá ao seu comportamento, o que o leva a optar por uma forma bastante específica de agir. Todos nós conhecemos isso: um semáforo vermelho anuncia “PARE”, e um radar ao seu lado nos lembra de que, caso não paremos, tomaremos uma multa. Um pai que ameaça um filho com a retirada de sua mesada também está praticando coerção, assim como o namorado que fecha a cara quando a namorada não atende ao seu pedido também.

A coerção está em todos os cantos, e o ser humano aprende rapidamente a evitar as consequências que são tema da ameaça. O filho passa a comportar-se; o funcionário chega sempre pontualmente ao trabalho, a namorada faz tudo o que o parceiro quer. Adequamo-nos às nossas inúmeras leis também como uma forma evitativa de agir: se não pagarmos os impostos, tomaremos uma multa; se roubarmos algo, seremos presos.
Obediência a regras é uma conduta adequada ao convívio em sociedade, mas não precisamos nos restringir a isso. Existem inúmeros exemplos de condutas evitativas – aprendemos quase que exclusivamente por meio delas. Dificilmente um bom comportamento não foi aprendido por meio de coerção, mesmo aqueles que julgamos socialmente adequados. Um bom aluno que tira notas altíssimas usa, como referência, os sentimentos negativos que sentiu no passado ao tirar uma nota baixa (frequentemente os professores só comentam os resultados negativos de um aluno, e não os positivos). Uma pessoa extremamente solícita faz tudo o que lhe pedem pois sente-se mal ao notar o desapontamento de alguém.

Os últimos exemplos referem-se, como podemos perceber, ao ponto de intersecção entre, novamente, as emoções e o comportamento. Pois se a coerção pode, por um lado, constituir uma forma eficientíssima de aprendizado, por outro ela traz um efeito colateral bastante nocivo: a necessidade de fuga. E quem sente necessidade de fugir jamais está sob a luz de emoções positivas.

Ansiedade, insegurança, medo, tensão e tristeza são emoções bastante características de quem funciona, basicamente, por esquiva. São subprodutos de uma conduta-padrão evitativa, e por isso que, mais uma vez, trabalhar estas emoções significa trabalhar os comportamentos. Nossas emoções são instrinsecamente ligadas à nossa história de aprendizagem, e muitas das ameaças que consideramos atuais, e reais, são na verdade reprodução de situações antigas. Somos, quase que inexoravelmente, produto de nosso passado.

Com mais frequência do que talvez gostaríamos de admitir, nos comportamos de maneira a evitar coisas – conflitos, brigas, desconfortos. E com bastante frequência, também, é verdade que conseguimos evitar tais coisas. Mas muitas e muitas vezes nunca chegamos a nos comportar de outra forma para verificar, diretamente com a realidade, quão reais são determinadas ameaças. Os padrões de conduta dificilmente sofrem “atualizações”, e é como se funcionássemos como discos riscados, evitando todas as consequências negativas que sofremos num passado remoto.

Se por um lado isso significa evoluirmos, no sentido de não mais cometermos atos nocivos a nós mesmos (é ótimo que paremos no sinal vermelho), por outro cria-se a constante tensão em relação a possíveis punições. Nem sempre é adequado agirmos sob a luz do medo e da ansiedade – por vezes a ameaça é imaginária e nós não confrontamos a realidade para testá-la. E se parece óbvio que funcionar pelo medo é uma forma de auto-preservação, é porque todos os meios sociais responsáveis pela nossa aprendizagem (escola governo, família) nos coagiram com intensidade suficiente para que isso se tornasse normal.

Existem outras formas de compreender uma mesma situação, que não seja à luz da coerção? Que outras formas de agir temos à nossa disposição que não sejam evitação?

Padrões de comportamento são funcionais, é verdade, mas também podem ser reciclados e suas funções aprimoradas. Parar no sinal vermelho para não tomar uma multa é bem diferente de parar para manter-se em segurança. O sentimento é obviamente diferente. Tirar notas altas para ganhar uma viagem de férias é igualmente eficiente junto aos adolescentes. Mas em situações mais complexas, especialmente no que tange as relações humanas, o medo da perda e da punição invariavelmente acompanha toda conduta humana.

Quebrar os padrões de comportamento que trazem desconforto pode provocar, por si só, mais desconforto ainda – significa estar aberto e arriscar receber todas as consequências negativas que batalhou-se toda a vida para manter afastadas. Mas se existe uma pequena possibilidade destas ameaças não se concretizarem (e normalmente, nas relações humanas elas são muito mais produto de catastrofização do que de realidade), a quebra do padrão é desejável – e mais do que isso, é necessária.

Viver em função do medo de que algo terrível aconteça, e agir quase que exclusivamente em função disso, é uma ideia contrária ao que conhecemos por qualidade de vida. Esta envolve liberdade, criatividade e espontaneidade, e deve ser perseguida sempre, na medida do possível. Nos comportarmos pensando no que temos a ganhar, e não a perder, alivia as emoções e dá leveza ao cotidiano, além de ser um filtro bastante eficiente para tudo aquilo que deve ser “atualizado” em nossos sistema: conceitos, relações, valores, hábitos.

Descobrir novas funções para nossos comportamentos é uma estratégia segura para que possamos ser cada vez mais autênticos, ficar cada vez mais satisfeitos e estarmos cada vez mais genuinamente em contato uns com os outros. Desfrutar dos benefícios de uma vida bem-vivida, sem os dissabores do medo e da ansiedade, é um direito de todo indivíduo que preza por seu conforto e bem-estar – mesmo que isso possa significar, a curto prazo, algum desconforto inicial.

Descobrir que se pode viver autenticamente, sem medos e culpas, é uma conquista maravilhosa, e perceber que somos mais resistentes às crises e às consequências negativas inevitáveis da vida é um presente. Desmistificar as ameaças que rondam nossa imaginação, e perceber que grande parte delas são de fato apenas imaginárias – eis uma nova e verdadeira forma de se viver em liberdade.


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