Como já descrevi em um outro post, a ansiedade é um estado
fisiológico, selecionado naturalmente na espécie humana, cuja função é de,
basicamente, preparar o organismo para enfrentar um perigo.
A ansiedade patológica ocorre quando este estado está
desproporcional à situação enfrentada, ou quando ocorre na ausência de qualquer
perigo real. Uma vez que a percepção de perigo depende fundamentalmente do
processamento cognitivo do indivíduo, podemos dizer que mesmo uma situação de
perigo imaginário (fantasias) é capaz
de desencadear respostas de ansiedade em uma pessoa.
Sendo um ou outro caso a situação, em todas elas a ansiedade
possui uma manifestação física importante, e os seguintes sintomas estão normalmente
presentes:
·
Taquicardia· Respiração difícil, curta ou faltando
· Tremor nas mãos ou em outras partes do corpo
· Sudorese excessiva
· Desconforto abdominal
· Sensação de medo ou perda de controle
O que fazer em relação a estes sintomas?
À parte a recomendação consensualmente aceita de medicação e
psicoterapia, existem algumas técnicas bastante simples que podem ser
utilizadas a qualquer momento, e que interrompem, relativamente rápido, o
estado corporal que a ansiedade provoca. Elas podem ser utilizadas tanto no
tratamento dos Transtornos Ansiosos como também em caráter preventivo – aos
primeiros sinais de ansiedade ou de desconforto emocional.
1.
TÉCNICAS DE RESPIRAÇÃO
RESPIRAÇÃO DIAFRAGMÁTICA
A respiração tem um papel importantíssimo
no processo fisiológico da ansiedade, uma vez que a hiperventilação (respiração
rápida, curta e superficial, estilo “cachorrinho”) tem o poder de intensificar
os sintomas ansiosos. Sendo assim, a solução é fazer inverso: respirar profundamente, devagar e,
de preferência, pelo diafragma.
Experimente enviar o ar inspirado para a
região baixa do abdômen, abaixo das costelas. Para auxiliar, você pode imaginar
que possui um pequeno balão nesta região, e intencionalmente enviar o ar para
preenchê-lo. Colocas a mão sobre a região ajuda também, pois torna possível
visualizar o movimento abdominal e assim apontar a respiração correta. Inspire
pelo nariz e expire pela boca. Faça séries de 10 respirações, sempre contando e
dizendo o número em voz alta, e então iniciando o ciclo respiratório em tempos
iguais (por exemplo, 3 segundos para inspirar e outros 3 para expirar).
NOTA: essa respiração utiliza o músculo
diafragmático, e portanto é possível sentir algum cansaço durante o exercício.
Não se preocupe, pois esse cansaço ou desconforto desaparecerá com a prática.
Inicie com 5 minutos (ou 10 repetições) pela manhã e verifique um início de dia
mais tranquilo e descansado. Se desejar, utilize qualquer momento favorável do
dia para praticar – no trânsito, banho, reunião com o chefe ou em qualquer
momento em que sinta-se ansioso.
RECAPTAÇÃO DE CO²
O equilíbrio respiratório depende de um
cálculo entre a quantidade de oxigênio inspirado, a quantidade de CO² expirado
e o quanto destes gases permanecem dentro do organismo entre uma respiração e
outra. Na hiperventilação (respiração cachorrinho), este equilíbrio é
prejudicado devido aos altos índices de oxigênio (inspiração ) e baixos índices
de gás carbônico (CO²) eliminados na expiração.
Este desequilíbrio produz mal-estar, dor
abdominal e sensação de vertigem, o que agrava os sintomas de ansiedade, e
reestabelecer este equilíbrio é relativamente simples – a velha técnica de “respirar
no saquinho” que tanto vemos nos filmes da TV. De fato funciona: basta expirar pela
boca dentro de um saquinho de papel, devagar e pausadamente, e inspirar o ar do
próprio saquinho. Faça diversas vezes seguidas, sem tirar a boca de dentro do
saquinho.
DICA: na falta de um saquinho (ninguém tem
este hábito de andar por aí com um saquinho dentro da bolsa, não é?), coloque
uma palma da mão sobre a outra em forma de concha e respire ali dentro. O
efeito é exatamente o mesmo.
2. TÉCNICAS DE RELAXAMENTO
Existem diversos tipos de técnicas de
relaxamento, todas com o objetivo de obter, basicamente, um estado fisiológico
agradável e de tensões reduzidas. Embora grande parte deles trabalhem tendo em
vista uma sensação de tranquilidade e bem-estar, existem pequenas diferenças
técnicas que focam em um ou outro aspectos mais específicos.
O Relaxamento Muscular Progressivo de Jacobson é uma
técnica que foca em, principalmente, um aumento da
percepção corporal e consequente aumento do controle muscular. Essa percepção
corporal mais acurada é especialmente importante para os que sofrem de
ansiedade pois permite que indivíduo
perceba os primeiros sinais de tensão e ansiedade, podendo agir muito mais
rapidamente e de maneira bastante eficiente no combate à mesma.
Como o próprio nome diz, trata-se de uma
técnica de relaxamento progressivo, ou seja, gradativo, por meio da tensão e
relaxamento dos grupos musculares. Nos indivíduos ansiosos, é comum que haja
muita contração dos músculos do corpo sem real percepção de que isso esteja
ocorrendo. Portanto, é importante identificar quais são estes estados musculares
(a tensão e o relaxamento) através da indução dos mesmos. Assim, o indivíduo
vai, primeiramente, tensionando os músculos, para em seguida, relaxá-los.
Você pode experimentar fazer isso “de baixo
para cima”, ou seja, dos pés até o topo da cabeça. Deitado ou sentado, de olhos
fechados, vá visualizando cada parte de seu corpo separadamente, e foque sua
atenção a cada grupo de músculos individualmente. Por exemplo, a focar sua
panturrilha, procure sentir a tensão na mesma – com a perna estendida, contraia
a musculatura puxando a ponta do pé para cima e esticando a linha do calcanhar.
Permaneça 5 segundos nesta posição, sentindo a tensão do músculo e
atentando a cada parte do corpo
envolvida. Perceba como este músculo se relaciona com as coxas, com os joelhos,
com os dedos dos pés. Em seguida, solte abruptamente a musculatura e perceba a
sensação de relaxamento.
Repita o processo com cada grupo muscular,
de ambos os lados, sempre tensionando primeiro e depois soltando abruptamente. Ao passar de um grupo muscular para outro,
certifique-se de que o grupo muscular trabalhado está inteiramente relaxado.
Pratique uma respiração calma e profunda durante todo o processo.
Este exercício pode ser feito à sua maneira
– ouvindo música, ao ar livre, quando você está tenso ou mesmo quando não há
nenhuma ansiedade ou estresse presente. Praticar o relaxamento e aumentar a consciência
corporal não apenas é uma técnica útil para enfrentar a ansiedade, como também uma
maneira eficiente de ganhar qualidade de vida.
3.
TÉCNICAS COGNITIVAS
VISUALIZAÇÃO
Visualize, em sua mente, a situação que o
preocupa. Talvez você esteja muito ansioso com uma reunião, uma entrevista de emprego,
ou com contas a pagar. Provavelmente, uma cena “preocupante” já passou pela sua
cabeça muito antes de você se propor a fazer um exercício de visualização. São
as nossas “imagens mentais”, que podem nos causar extremo desconforto,
ansiedade, e toda uma extensa gama de sentimentos negativos.
Quando uma imagem mental causa desconforto,
nossa primeira tendência é a de interrompê-la. É o famoso “não quero nem
imaginar”. Pois a técnica aqui trata-se de justamente IMAGINAR. Não interrompa
a cena preocupante – vá até o final. Imagine os detalhes, as cores, os cheiros,
as pessoas, os diálogos. Deixa a cena se desenrolar, como a um filme que você
assiste. Se sentir-se muito ansioso, pratique a respiração diafragmática
enquanto visualiza.
Perceba o que ocorre com a cena: ela chega
a um ápice de angústia e então desaparece? Ela termina tragicamente? Diante do
resultado, existem algumas opções a seguir:
DESCATASTROFIZAÇÃO
Se sua cena atinge um clímax de ansiedade e
então desaparece, é de se supor que você está bloqueando o final da mesma. “Avance
o filme” e pergunte-se: o que de pior
pode acontecer? Talvez o final
catastrófico seja uma demissão, um rompimento, ou algo bastante ruim. Tente
visualizar este resultado e avance o filme novamente: o que aconteceu? Se for
preciso, avance anos no tempo. O que aconteceu? O que de pior poderá acontecer?
Normalmente, o que se descobre com este
tipo de exercício é que o resultado final pode ser realmente ruim, mas
dificilmente é tão ruim que não possamos aguentar. O que ocorre é que, ao
interrompermos a imagem em seu pior momento, não temos oportunidade de
verificar nossas reais condições de enfrentamento. Somos, geralmente, mais
capazes de lidar com os problemas do que acreditamos ser.
Visualizar uma cena até o final nos permite
explorar todas as nossas alternativas, e desmistifica o que normalmente
concebemos como “o pior”. Uma demissão, por exemplo, pode ser muito
desagradável e gerar inúmeros problemas, mas quando você se pergunta “o que de
pior poderá acontecer se eu for demitido?”, descobre que poderá arrumar outro
emprego, pedir ajuda a amigos, fazer um empréstimo, vender o carro, enfim,
alternativas outras que não “passar fome”, por exemplo.
IMAGINAÇÃO DE RESULTADOS
Você pode também interferir “no filme” e
alterar o roteiro por trás da sua cena. Pode planejar um diálogo, modificar seu
comportamento, criar situações favoráveis e transformar a cena preocupante em
uma cena de sucesso.
Se você fica muito ansioso com uma
apresentação que irá fazer, ou uma entrevista de trabalho, ou qualquer outra
situação em que se sente inseguro, feche os olhos PR alguns instantes e imagine
a cena desde o começo. Como você está vestido? Que horas sairá de casa? Como é
o caminho? Procure fazer a cena da maneira mais agradável possível, mesmo que
sinta interferências de pensamentos negativos.
Imagine o momento “crítico” acontecendo da
melhor maneira, seu desempenho da maneira que você gostaria que fosse, a reação
positiva das pessoas ao seu redor. Crie com detalhes sua cena agradável: seu
tom de voz, as palavras, o ambiente, as perguntas e as respostas. “Volte o
filme” e refaça algo que não saiu como gostaria.
Vá até o final “do filme” e termine-o
vitoriosamente: visualize seu retorno agradável à sua casa ou ponto de partida
e veja sua feição de sucesso. Sinta a sensação de conquista e de satisfação:
tudo deu certo e saiu exatamente como você queria!
As técnicas de visualização podem, a
princípio, parecer bastante ingênuas e simplórias. Entretanto, são
comprovadamente eficientes ao gerar sentimentos positivos (bem como negativos)
e auto-confiança. O cérebro é um organismo bastante plástico, dinâmico, no qual
a fantasia se equivale à realidade. Pense bem: se uma cena desagradável na sua
cabeça é capaz de fazer seu coração acelerar, uma cena agradável também é capaz
de tranquilizá-lo.
“E SE ISSO ACONTECER?”
Esta é uma técnica semelhante à
descatastrofização, porém em “versão” escrita.
Numa folha de papel, escreva o que lhe
aflige. Tente ser sintético e resumir a questão em poucas palavras. Esta é uma
etapa em si mesmo muito importante: quando você define o problema, o delimita.
Então a questão é “medo de ser demitido”, e apenas isso importa (a cara do
chefe, dos colegas de trabalho, da família, enfim, ficam de fora neste
momento).
Delimitado o problema, pergunte-se: “e se
isso acontecer?”. Novamente delimite o problema e vá fazendo isso até não ter
mais alternativas. Novamente você descobrirá que o resultado não é tão ruim
assim. Segue abaixo um exemplo:
“MEDO DE SER DEMITIDO”
E se isso acontecer?
“FICAREI SEM DINHEIRO”
E se isso acontecer?
“VOU TER PEDIR AJUDA AOS MEUS PAIS”
E se isso acontecer?
“MEUS PAIS NÃO ME AJUDARÃO. TEREI QUE ARRUMAR
OUTRO EMPREGO.”
E se isso acontecer?
“PROVAVELMENTE ARRUMAREI ALGO QUE NÃO GOSTO”
E se isso acontecer?
“POSSO TRABALHAR EM ALGO QUE NÃO GOSTO E
CONTINUAR PROCURANDO.”
E se isso acontecer?
“FICAREI INSATISFEITO POR UM TEMPO MAS
TEREI O DINHEIRO QUE PRECISO PARA PAGAR MINHAS CONTAS.”
No exemplo acima, fica claro que o final da
história, embora não ideal, é satisfatório. Este é o objetivo – desmistificar a
previsão trágica do futuro e aproximá-la mais das possibilidades reais que um
indivíduo possui.
Estas são apenas algumas das técnicas de
controle de ansiedade disponíveis para todos. Você não precisa ser portador de
um Transtorno Ansioso para praticá-las, mas pode usá-las no dia-a-dia para
ganhar mais qualidade de vida e tranquilidade no seu cotidiano.
Espero que sejam úteis! Qualquer dúvida, não
hesitem em escrever: clinica.anapaula@gmail.com