O papel das distorções cognitivas em nossos erros de julgamento.
texto publicado no site "Psicologia Explica" - leia aqui!
Que atire a primeira pedra
quem nunca se pegou, passado o furacão, revendo seus próprios pensamentos e
chegando à conclusão de que “estava de cabeça quente” – uma forma de dizer que
não estava pensando direito, ou então que concluiu coisas precipitadamente por
conta do calor das emoções.
Todos nós fazemos isso de
vez em quando: não pensamos direito. Com isso, quero dizer que uma das coisas
mais comuns no funcionamento humano é a distorção de pensamento, ou distorção cognitiva. Esse tipo de
mecanismo mental é o principal responsável pelos erros de interpretação, mal-entendidos
e conclusões precipitadas, e ocorre em nossas vidas com uma frequência
impressionante.
Quando um pensamento está
distorcido, ele tende a gerar emoções “negativas”, ou seja, as que provocam
desconforto e que normalmente conduzem a um tipo de atitude pouco adaptativa
(em geral, comportamentos impulsivos, tendenciosos e pouco flexíveis). Sob a batuta
de um pensamento distorcido, seguimos por uma via de conduta igualmente
distorcida, o que acaba por retro-alimentar uma situação de possível conflito,
ampliando o desconforto emocional.
Sempre que penso em
distorções cognitivas, me lembro daquela velha piadinha sobre o homem que
viajava numa estrada à noite, quando o pneu do carro furou. Ele ficou
desconsolado porque justo naquela semana tinha retirado o macaco do
porta-malas, e quando viu uma casinha no alto da montanha, sentiu uma pitada de
esperança – iria até lá pedir ajuda. Acontece que, no caminho, ele começou a
pensar... “Com certeza vou atrapalhar
essa pessoa, ela vai me tratar mal e me achar muito inconveniente! Mas se ela
for egoísta a esse ponto de negar ajuda a um pobre coitado eu vou ficar
realmente furioso! Porque isso não se faz! Só porque passa da meia-noite não
quer dizer que eu não possa pedir ajuda, que absurdo!” ... e assim ele foi
pensando até o alto da montanha, muito nervoso e já irritado. Quando tocou a
campainha e um senhor abriu a porta, ele deu um soco na cara do homem e gritou
“Seu egoísta, isso é para aprender a
nunca deixar alguém na mão!”.
Por mais engraçadinha que
seja a piada, quem nunca passou por isso? Quem nunca fez previsões de futuro
altamente equivocadas, se enganou em um julgamento, meteu os pés pelas mãos? Não
precisamos nos restringir às piadas, pois os exemplos cotidianos são numerosos.
Seu chefe o chama, repentinamente, em sua sala, e você já logo sua e treme todo
pensando que será demitido. Alguém olha feio para você na rua e pronto: você já
quer tirar satisfações com o sujeito. Seu namorado não atende seu telefonema e
você já fica furiosa, imaginando sabe-se lá o que ele está fazendo que não quis
te atender.
Em todas estas situações,
podemos perceber que existe uma avaliação mal feita da realidade, uma
interpretação parcial ou tendenciosa, que não leva em consideração as variáveis
múltiplas do ambiente. Esta avaliação equivocada é a principal causa de uma
distorção cognitiva, mas também percebemos que outras coisas estão em jogo,
como crenças disfuncionais ou mal-adaptativas sobre o mundo, o outro ou até
sobre si mesmo – que funcionam mais ou menos como um alicerce básico que irá
orientar todo o seu padrão de pensamento. É o que acontece, por exemplo, com
pessoas eternamente desconfiadas de tudo e todos: com uma crença básica de que
o mundo (e as pessoas) são pouco confiáveis, suas interpretações das situações
tenderão a seguir o mesmo princípio.
Identificar uma distorção
cognitiva é o primeiro passo rumo a corrigi-las e, portanto, ter reações mais
adequadas diante das diversas situações conflituosas que marcam nossas vidas. E
como já diz a velha frase, “quem não sabe
o que procura não reconhece quando encontra”, e é por isso que selecionei,
logo abaixo, as distorções cognitivas mais comuns (e nocivas!) do nosso
cotidiano.
CATASTROFIZAÇÃO - O
célebre “fazer tempestade em um copo de água”! Quem catastrofiza acha que,
entre várias possibilidades, a pior de todas é a que irá acontecer. É o caso do
exemplo acima, em que um simples chamado do chefe vira uma possibilidade de
demissão. Normalmente, a catastrofização surge de uma confusão entre
possibilidade X probabilidade: considerar algo possível de acontecer como altamente
provável.
POLARIZAÇÃO
(“tudo ou nada”) - Outra distorção bem clássica, a polarização é um modo de
pensar em que as coisas se definem de maneira muito extrema ou radical: ou uma
coisa é boa, ou é péssima; ou uma pessoa te ama, ou ela te odeia; você é um
sucesso ou então um completo fracasso. Essa forma “8 ou 80” de pensar é
especialmente nociva pois desconsidera todos os meios-termos das situações
cotidianas, todos os tons de cinza existentes entre o branco e o preto.
ADIVINHAÇÃO - Apesar
de trabalharmos o tempo todo com previsões de futuro (“acho que vai chover, melhor levar um guarda-chuva”; “lá pelas 8h ele
deve estar chegando”), precisamos de uma avaliação bem feita da situação
para podermos prever razoavelmente bem algum desfecho. Quando esta avaliação é
parcial ou mal executada, ou pior, se ela é conduzida basicamente pelas nossas
emoções, acabamos fazendo previsões equivocadas, o que geralmente causa
surpresa ou frustração. Se você considerar apenas sua insegurança e nervosismo
na hora de fazer uma apresentação no trabalho, por exemplo, provavelmente fará
previsões do tipo “vai dar errado”, “vou
ficar tão nervoso que vai dar branco” etc, o que provavelmente comprometerá
seu desempenho – causando justamente o que você teme que aconteça!
LEITURA
MENTAL - Essa é bem clássica – no dia-a-dia, todos brincamos de
telepatia, achando que sabemos o que o outro está pensando e
concluindo mil coisas com base nisso. Às vezes, uma simples expressão facial
mais difícil de discriminar pode virar uma leitura mental daquelas: “ela não gostou do que eu disse”, “falei
besteira”, “com certeza ele vai me demitir agora!”. Dificilmente “lemos”
pensamentos bacanas. Isso não é curioso? O que normalmente acontece é que
associamos a situação aos nossos próprios sentimentos de base – nossa
insegurança, medo, etc., que funcionam como lentes através das quais olhamos a
situação.
HIPERGENERALIZAÇÃO - “Nenhum homem presta”; “toda sogra é chata!”,
“comigo nada dá certo!”. Reparou nas palavras radicais usadas nesses
exemplos? “Nenhum”, “Todos”, “Sempre”, “Nunca”, “Nada” etc, são palavrinhas básicas de
quem tende a generalizar uma situação. Tomando o todo pela parte, pegamos uma
situação conflituosa e ampliamos nossa interpretação para todas as outras (até
as que não conhecemos!). Então TODA sogra é chata, até a que você ainda não
conheceu; e NENHUM homem presta, muito embora você não tenha conhecido todos os
homens do mundo. A hipergeneralização é bastante danosa pois já incute em nós
uma pré-disposição negativa em relação a situações futuras, não dando chances
de que as coisas se revelem de maneira diferente (e se a sua futura sogra for
super legal??).
PERSONALIZAÇÃO - “Minha culpa, minha culpa!” – esta
poderia ser a máxima de quem personaliza tudo. Tudo é por sua culpa, ou tem a
ver com você, ou você interferiu, ou causou algo. Até o caixa do supermercado
está de cara feia porque você fez alguma coisa errada, só pode ser. Nenhuma
chance de isso ter a ver com outras coisas – só com você! Na personalização, nós
ignoramos qualquer outra variável e depositamos em nós a responsabilidade pelo
evento. Como aquele amigo que não atendeu a sua ligação: ele só pode estar
chateado com você! Não existe nenhum outro fator que o leve a isso, ele não te
atendeu porque não quis falar COM VOCÊ!
DESQUALIFICAÇÃO
DO POSITIVO – Essa distorção é talvez a que gera as
formas mais injustas de ver as coisas, pois por conta dela, elementos bons da
situação são desconsiderados ou atenuados até quase não fazer diferença. Então
se você é promovido no trabalho, ao invés de ficar feliz por isso, você pensa “Demorou, né? Era o mínimo que eu podia fazer”
– e sua promoção vira uma coisa qualquer. Se você ganha flores do marido no
aniversário de casamento, e pensa “Com
certeza foi a mãe dele que o lembrou da data!”, nem de longe ficará feliz
pelas flores. A desqualificação do positivo é como uma peneira, na qual nada de
bom passa, ou se passar, é banalizado ou sem seu devido valor.
Existem outras distorções
cognitivas além das supracitadas – todas formas de variações destas mais
básicas, e todas com o mesmo mecanismo comum: uma forma tendenciosa e uma
avaliação parcial da situação. Em toda distorção cognitiva, observamos uma
forma de interpretar a realidade que não leva em consideração todas as
variáveis existentes, e por isso mesmo é uma avaliação incompleta e equivocada
da realidade.
Da mesma forma, todas são
igualmente nocivas por gerar emoções “negativas” e nos pré-dispor a formas de
nos comportar igualmente tendenciosas, impulsivas e injustas, o que tende a
piorar a situação e a gerar mais desconforto.
Portanto, diante de uma
situação em que observamos uma carga emocional muito intensa ou uma mudança
súbita de humor, é bom pararmos e observarmos, nos questionando: “Esta é uma forma justa de ver esta situação?
Ou existe uma outra forma de vê-la? Estou desconsiderando alguma coisa
importante?”. Nestas horas, pensar mais um pouquinho ou até pedir a opinião
de outras pessoas pode ser bastante importante – existem muito mais formas de
enxergar a mesma situação do que supõe a nossa vã filosofia.