Trabalhar as emoções envolve, necessariamente, trabalhar
outra dimensão humana: o comportamento. E embora pareçam esferas antagônicas (o
“fazer” do “sentir”), cotidianamente notamos que estes aspectos caminham, via
de regra, lado a lado.
A distinção entre sentimento e comportamento parece clara,
mas pode se tornar especialmente ardilosa quando o próprio sentir é uma forma
de reagir ao mundo. Pois comportar-se nada mais é do que isso: uma ação que acontece
diante de um estímulo, qualquer que seja ele. Sob este ponto de vista, pegar um
copo de água pode ser um comportamento, mas chatear-se com um comentário do
chefe também o é. Sendo assim, podemos dizer que, a princípio, o sentir é uma
forma encoberta de se comportar, dado
que não é visível e às vezes nem acessível ao outro.
Assim sendo, as próprias emoções são comportamentos – e é
por isso que trabalhar as emoções significa trabalhar, intrinsecamente, o
comportamento, e vice-versa.
Emoções positivas (alegria, orgulho, satisfação etc)
dificilmente são demandas do trabalho terapêutico, ao passo que as emoções
negativas (raiva, tristeza, inveja, ansiedade, ciúmes etc) o são. Normalmente,
em um momento de crise, são as emoções negativas que estão em jogo, embora
frequentemente exista um misto de sentimentos bons e ruins acontecendo. Como
podemos compreender um cenário marcado por angústia e sofrimento? Como integrar
nossos conhecimentos sobre o comportamento humano ao trabalho emocional?
Antes de mais nada, é interessante frisar que a grande
maioria das emoções e sentimentos humanos são inatos, ou seja, nos acompanham desde o nascimento. Na maior parte
das vezes, o sentir é uma reação natural do ser humano diante de situações
eliciadoras; mas há vezes outras que uma determinada emoção se constitui de
determinada maneira por meio de aprendizagem.
A aprendizagem é a principal forma pela qual um ser humano
se desenvolve e apreende novos comportamentos. Aprendemos o tempo todo, sem que
essa ideia fique restrita aos processos formais de ensino (a escola, um curso,
um livro). A aprendizagem está em todo lugar, em todo momento, e se dá através
de processos funcionais de interação
entre indivíduo e meio-ambiente.
Por funcional¸ quero
dizer que é a função de um determinado comportamento que o estrutura como parte
de nosso repertório ou não. Agimos de determinada forma, e se esta provocar
algum efeito sobre nossas necessidades, ou fizer algum sentido dentro do
cenário no qual nos encaixamos, podemos dizer que este comportamento tem altas
chances de ser satisfatoriamente aprendido. Se um dia sentimos sede, e ao
pegarmos o copo de água e tomarmos, aplacamos nossa sede, tornaremos a fazer
isso toda vez que sentirmos sede. Pronto: aprendemos algo. Por que uma determinada
criança faz tanta birra com seus pais? Por que é que chora, se joga no chão,
grita e emburra quando os pais lhe negam algo? Podemos dizer, caso este seja um
comportamento costumaz, que houve um processo de aprendizagem: muito
provavelmente, as birras e o choro trouxeram benefícios no passado – o pai
comprou-lhe o pirulito, a mãe a deixou ir para a cama sem escovar os dentes – e
assim ela utiliza esta conduta como forma de obter determinadas coisas.
Isso vale para quase tudo, incluindo aí o papel das emoções.
Todos nós já conhecemos alguém que, através da tristeza, ganha muita atenção de
seus amigos ou do cônjuge, ou de alguém que com muita frequência fica bravo e
agressivo quando é contrariado. Podemos arriscar dizer que, possivelmente,
também estas emoções foram reforçadas
(por suas consequências) ao longo da história de vida da pessoa,
cristalizando-se, com frequência, como parte integrante do repertório daquele
indivíduo.
Embora existam situações excepcionais, em que alguma patologia
pode estar instalada (a Depressão enquanto um desequilíbrio químico cerebral,
por exemplo), podemos dizer que, via de regra, tanto comportamentos quantos
sentimentos são aprendidos. E outra conclusão, a partir daí, torna-se bastante
lógica: quanto mais funcional é uma conduta, mais frequente ela se torna.
Aprendemos, portanto, mediados pela consequência de nossos comportamentos. Isso significa obter coisas, mas também significa evitar coisas. É fácil pensar num
exemplo: um casal em que, toda vez que há uma briga, um dos cônjuges desata a
chorar. Se quisermos entender a função deste choro, é só observar o que
acontece imediatamente após: a briga
cessa? Talvez o outro cônjuge, sentindo-se culpado, passe a minimizar o conflito
e a fazer carinho no parceiro. Ou talvez um espancamento cesse com o início do
choro. Se isso ocorre com relativa frequência, podemos inferir de que o choro
tem como função esquivar-se da briga,
já que põe fim à mesma.
Esquiva é um dos
processos humanos mais comuns, e não é arriscado dizer que é um produto muito
sólido de aprendizagem através de consequências negativas – a coerção. Coerção
é uma forma sutil de descrever uma ameaça: algo ruim se seguirá ao seu
comportamento, o que o leva a optar por uma forma bastante específica de agir. Todos
nós conhecemos isso: um semáforo vermelho anuncia “PARE”, e um radar ao seu
lado nos lembra de que, caso não paremos, tomaremos uma multa. Um pai que
ameaça um filho com a retirada de sua mesada também está praticando coerção,
assim como o namorado que fecha a cara quando a namorada não atende ao seu
pedido também.
A coerção está em todos os cantos, e o ser humano aprende
rapidamente a evitar as consequências que são tema da ameaça. O filho passa a
comportar-se; o funcionário chega sempre pontualmente ao trabalho, a namorada
faz tudo o que o parceiro quer. Adequamo-nos às nossas inúmeras leis também
como uma forma evitativa de agir: se
não pagarmos os impostos, tomaremos uma multa; se roubarmos algo, seremos
presos.
Obediência a regras é uma conduta adequada ao convívio em
sociedade, mas não precisamos nos restringir a isso. Existem inúmeros exemplos
de condutas evitativas – aprendemos quase que exclusivamente por meio delas.
Dificilmente um bom comportamento não foi aprendido por meio de coerção, mesmo
aqueles que julgamos socialmente adequados. Um bom aluno que tira notas
altíssimas usa, como referência, os sentimentos negativos que sentiu no passado
ao tirar uma nota baixa (frequentemente os professores só comentam os
resultados negativos de um aluno, e não os positivos). Uma pessoa extremamente
solícita faz tudo o que lhe pedem pois sente-se mal ao notar o desapontamento
de alguém.
Os últimos exemplos referem-se, como podemos perceber, ao
ponto de intersecção entre, novamente, as emoções e o comportamento. Pois se a
coerção pode, por um lado, constituir uma forma eficientíssima de aprendizado,
por outro ela traz um efeito colateral bastante nocivo: a necessidade de fuga. E quem sente necessidade de fugir
jamais está sob a luz de emoções positivas.
Ansiedade, insegurança, medo, tensão e tristeza são emoções
bastante características de quem funciona, basicamente, por esquiva. São
subprodutos de uma conduta-padrão evitativa, e por isso que, mais uma vez,
trabalhar estas emoções significa trabalhar os comportamentos. Nossas emoções
são instrinsecamente ligadas à nossa história de aprendizagem, e muitas das
ameaças que consideramos atuais, e reais, são na verdade reprodução de
situações antigas. Somos, quase que inexoravelmente, produto de nosso passado.
Com mais frequência do que talvez gostaríamos de admitir,
nos comportamos de maneira a evitar coisas – conflitos, brigas, desconfortos. E
com bastante frequência, também, é verdade que conseguimos evitar tais coisas.
Mas muitas e muitas vezes nunca chegamos a nos comportar de outra forma para
verificar, diretamente com a realidade, quão reais são determinadas ameaças. Os
padrões de conduta dificilmente sofrem “atualizações”, e é como se
funcionássemos como discos riscados, evitando todas as consequências negativas
que sofremos num passado remoto.
Se por um lado isso significa evoluirmos, no sentido de não
mais cometermos atos nocivos a nós mesmos (é ótimo que paremos no sinal
vermelho), por outro cria-se a constante tensão em relação a possíveis
punições. Nem sempre é adequado agirmos sob a luz do medo e da ansiedade – por vezes
a ameaça é imaginária e nós não confrontamos a realidade para testá-la. E se
parece óbvio que funcionar pelo medo é uma forma de auto-preservação, é porque
todos os meios sociais responsáveis pela nossa aprendizagem (escola governo,
família) nos coagiram com intensidade suficiente para que isso se tornasse normal.
Existem outras formas de compreender uma mesma situação, que
não seja à luz da coerção? Que outras formas de agir temos à nossa disposição
que não sejam evitação?
Padrões de comportamento são funcionais, é verdade, mas
também podem ser reciclados e suas funções aprimoradas. Parar no sinal vermelho
para não tomar uma multa é bem diferente de parar para manter-se em segurança.
O sentimento é obviamente diferente. Tirar notas altas para ganhar uma viagem
de férias é igualmente eficiente junto aos adolescentes. Mas em situações mais
complexas, especialmente no que tange as relações humanas, o medo da perda e da
punição invariavelmente acompanha toda conduta humana.
Quebrar os padrões de comportamento que trazem desconforto
pode provocar, por si só, mais desconforto ainda – significa estar aberto e
arriscar receber todas as consequências negativas que batalhou-se toda a vida
para manter afastadas. Mas se existe uma pequena possibilidade destas ameaças
não se concretizarem (e normalmente, nas relações humanas elas são muito mais
produto de catastrofização do que de realidade), a quebra do padrão é desejável
– e mais do que isso, é necessária.
Viver em função do medo de que algo terrível aconteça, e
agir quase que exclusivamente em função disso, é uma ideia contrária ao que
conhecemos por qualidade de vida. Esta envolve liberdade, criatividade e
espontaneidade, e deve ser perseguida sempre, na medida do possível. Nos
comportarmos pensando no que temos a ganhar,
e não a perder, alivia as emoções e
dá leveza ao cotidiano, além de ser um filtro bastante eficiente para tudo
aquilo que deve ser “atualizado” em nossos sistema: conceitos, relações,
valores, hábitos.
Descobrir novas funções para nossos comportamentos é uma
estratégia segura para que possamos ser cada vez mais autênticos, ficar cada
vez mais satisfeitos e estarmos cada vez mais genuinamente em contato uns com
os outros. Desfrutar dos benefícios de uma vida bem-vivida, sem os dissabores
do medo e da ansiedade, é um direito de todo indivíduo que preza por seu
conforto e bem-estar – mesmo que isso possa significar, a curto prazo, algum
desconforto inicial.
Descobrir que se pode viver autenticamente, sem medos e
culpas, é uma conquista maravilhosa, e perceber que somos mais resistentes às
crises e às consequências negativas inevitáveis da vida é um presente.
Desmistificar as ameaças que rondam nossa imaginação, e perceber que grande
parte delas são de fato apenas imaginárias – eis uma nova e verdadeira forma de
se viver em liberdade.