quinta-feira, 19 de setembro de 2013

PORQUE SOU PSICÓLOGA



Uma pergunta que eu ouço muito é: “mas por que é que você quis ser psicóloga??”

Eu acho uma pergunta bem interessante, porque normalmente ela é seguida de alguns comentários como: “como você aguenta ouvir problema o dia inteiro?”, “deve ser tão pesado!”, “é só sofrimento!”. E bom, eu não posso dizer que não é, em parte, um pouco disso tudo. E eu sei muito bem que, normalmente, essas são razões mais do que suficientes para alguém nem pensar em fazer Psicologia.

Eu fico um pouco sem graça quando começo a responder essa pergunta porque, logo de cara, eu quero muito explicar que eu não sou sádica e nem masoquista! Não, eu não gosto de ver o sofrimento alheio. E é claro que mexe comigo, é claro que às vezes é desconfortável ouvir tanta coisa pesada.

Mas sim, de certa forma, eu GOSTO. Não do sofrimento do outro. Mas do que essas vivências doloridas trazem de oportunidade de crescimento. Porque esse é o cerne do que eu considero o meu principal propósito ao ser psicóloga: propiciar CRESCIMENTO.

É como se ouvir as coisas doloridas fosse uma parte do caminho bem pedregosa, mas que leva a um lugar incrível. E é por botar MUITA FÉ nisso que eu me disponho a atravessar essas “trevas” junto com quem vem me procurar, por mais pesado que seja, por mais pedras no caminho que tenha.

Sim, é um cotidiano difícil. Mas tem recompensas maravilhosas. No fundo, tudo o que eu quero ver é uma evolução acontecer, e é claro que tem um sabor incrível pensar que eu pude ajudar um pouquinho nisso. É ser “narcisista”? Talvez seja um pouco. Talvez todo psicólogo queira brincar um pouquinho de Deus, alterando coisas aqui e ali. Quer se sentir importante. Quer se sentir especial. E quem não quer?



Eu costumo dizer que, pra ser psicólogo, você deve ter uma fé inabalável no ser humano. Você precisa admirar essa espécie acima de todas as outras (se eu admirasse mais as plantas, seria botânica, se fossem os cães, seria veterinária). Creio que é preciso, acima de tudo, QUERER BEM ao ser que está na sua frente, tendo ele feito o que tiver feito (guardadas, é claro, as devidas proporções e limites pessoais).

Eu acredito na evolução humana, e acredito que a mudança é não apenas possível – ela é na verdade a única coisa que podemos contar na vida. A única certeza que a gente tem é que tudo vai mudar, e melhor ainda se a gente mudar junto! E às vezes, tudo o que precisamos é de uma leve orientação, alguma dica concreta, alguma observação que nunca fizemos antes.

Daí, segue-se a resposta para a outra frequentíssima pergunta: por que raios eu escolhi a cognitivo-comportamental, se o grande barato da psico é justamente a Psicanálise??

Aí, SUPRESA: pra ser psicanalista você nem precisa ser psicólogo! Porque Psicanálise e Psicologia não são exatamente a mesma coisa. Aliás, NÃO SÃO. A Psicanálise é um MÉTODO, assim como existem vários outros. E é claro que a grande maioria confunde uma coisa com a outra por conta da falta de informação. Por exemplo, você já ouviu falar em Gestalt-terapia? Em Fenomenologia? Em Behaviorismo? Aposto que não.

Eu também não tinha ouvido falar quando entrei na faculdade, e entrei (como todo mundo) super afim de ler Freud. E li, até o último ano da faculdade, milhares de textos psicanalíticos que eu amava. E, momento “confesso”: EU ODIAVA TCC. Mas odiava tanto que cabulei muitas e muitas aulas (o que me levava a entender muito pouco e detestar mais ainda, dando início a um ciclo sem fim que culminou em notas medíocres e pouquíssimo conhecimento).



Hoje concluo que tive uma má professora. Pois alguns anos depois de me formar, quiseram os Deuses da Vida Profissional que eu me interessasse justamente pela área de Saúde Mental (leia-se Doença Mental), onde a Psicanálise veio perdendo terreno nas últimas décadas. E aí, tive que estudar TCC na marra, por conta própria, do zero.

Foi uma descoberta incrível, guiada por excelentes “professores” e colegas. Nessas horas você entende o quanto o aprendizado pode ser auto-motivador quando os resultados não são apenas expressos em números na folha de prova. Eu PRECISAVA fazer aquilo bem, pra ajudar os pacientes. Era uma RESPONSABILIDADE.

E os resultados apareciam! E tudo fazia sentido, os pacientes iam melhorando, eu ia estudando, cada vez mais motivada e cada vez mais percebendo que, quando você faz algo que acredita, você faz MUITO MAIS BEM FEITO. E que quando você sai da teoria, você desmistifica muita coisa errada que vinha pensando a respeito.

Então, voltando à pergunta: por que a Terapia Cognitivo-Comportamental?

Porque ela funciona. Por que eu ACREDITO nela. Porque eu VEJO ela funcionar na minha frente, e rápido! E vejo as pessoas mais felizes por conta de pequenas modificações nas variáveis que estruturam suas vidas (as chamadas “contingências”). Percebi, na prática, que às vezes apenas SABER o que está acontecendo não basta, como eu pensava em minhas épocas de Psicanálise. Trazer a questão à consciência raramente resolve o problema – você precisa mudar o seu comportamento!

Talvez este seja o fator que mais me encanta em ser da TCC: perceber o sentido PRÁTICO de todo o raciocínio que embasa essa abordagem. Ver acontecer ali não apenas a mudança de dentro pra fora (como a gente adora falar), mas as DE FORA PRA DENTRO TAMBÉM! Perceber o valor de um novo comportamento instalado, mesmo que, a princípio, ele não tenha sido dos mais espontâneos, trouxe um novo sentido na minha própria existência – percebi que, para sermos aquilo que sonhamos ser, precisamos de uma única coisa: UM COMPORTAMENTO ORIENTADO PARA AQUILO.

E a TCC representa, hoje, o método, o “comportamento orientado”, que me permite atingir a minha satisfação profissional. A TCC me reforça! E como um campo em desenvolvimento que só recém está recebendo mais atenção, tem sempre alguma coisa nova rolando que me estimula a estudar e a ser uma profissional cada vez melhor pros meus pacientes.

Eu acho que o estudo nunca acaba. Nunca chega essa hora em que você já sabe tudo. O conhecimento muda você, e você produz novo conhecimento. É um ciclo sem fim, e essa constante inovação da TCC me faz ser realizadíssima profissionalmente, por que o céu vira o limite. E pra ser psicólogo você realmente precisa acreditar no inesgotável potencial humano, levando em consideração todas as suas facetas: a psicológica, a biológica (tão negligenciada pelas abordagens psicodinâmicas!) e, por que não?, até a espiritual.



O ser humano é um ser tão rico e pleno, tão cheio de possibilidades, que eu não poderia nunca passar minha vida explorando apenas uma parte desse TODO que é a vida da gente. E talvez por isso que eu goste também tanto da escrita – assim como em Psicologia, as possibilidades criativas são infinitas. Cada paciente que encontro me proporciona um experienciar único, uma vivência única, um universo completamente singular. É um “livro” acontecendo bem ali na minha frente.

E é pela possibilidade de usar a felicidade alheia como combustível da minha própria, iniciando um círculo vicioso hiper benéfico, que hoje eu não escolheria ser ou fazer nada além do que eu já faço, estando no exato instante, e no exato local onde me encontro.




domingo, 1 de setembro de 2013

TRISTEZA vs DEPRESSÃO: A DIFERENÇA ENTRE O NORMAL E O PATOLÓGICO



Em tempos em que os termos médicos e científicos tornam-se conhecidos pela comunidade, observamos um efeito colateral inevitável: a banalização e generalização dos diagnósticos psiquiátricos. Se por um lado, é fantástico que mais pessoas saibam que existe uma doença chamada Depressão, por outro corremos o risco de, de repente, toda tristeza da vida passar a se chamar “Depressão”. E se TODA tristeza é Depressão, nenhuma acaba sendo levada a sério. Principalmente as “verdadeiras”.

Então, agora que os amigos de João ouviram falar em Depressão, João não está triste, João está deprimido. E segundo seu amigos, se João está deprimido, João precisa de remédios. Isso assusta João, ou então o envergonha, então João sequer cogita a possibilidade de ir ao médico. Bem, talvez João precise de remédios, talvez não. Talvez João esteja genuinamente triste por ter se divorciado no mês passado, como qualquer pessoa do planeta ficaria. Sua vizinha Maria também está triste – seu cachorinho morreu atropelado. Há 3 anos. E Maria continua triste. Maria não consegue superar esta perda.

A tristeza de Maria é normal, ou patológica? E a tristeza de João? Como você pode saber se sua tristeza (ou a do vizinho) é passageira, ou se veio pra ficar e requer cuidados médicos?

A resposta mais óbvia é que você deveria procurar um médico. Afinal, o diagnóstico de uma doença cabe aos médicos. Mas muitas vezes o dilema se forma antes disso: quando é a hora de procurar um médico?

A tristeza é um sentimento comum, presente na vida de qualquer ser humano. Ela é uma emoção perfeitamente adequada a situações em que existam perdas, conflitos, decisões, mudanças, frustrações. Ficar triste é normal, mas, via de regra, a vida trata de trazer outros eventos significativos, outros prazeres e felicidades, e comumente uma dor é superada e a vida continua. Mas e permanecer triste? Seria essa a fronteira entre normal e patológico? Uma tristeza que não passa?

Quando falamos em Transtorno Depressivo, estamos falando de uma Síndrome: um conjunto de sinais e sintomas. Não basta estar triste para estar deprimido – precisa ter uma série de sintomas, característicos da Depressão. Variáveis como duração, intensidade, alteração nos níveis de vitalidade, funções fisiológicas e cognitivas, e prejuízo no funcionamento global do indivíduo são os parâmetros atuais para se diferenciar a tristeza normal da Depressão. Quer dizer: há quanto tempo você se sente triste? E quão triste você se sente (você tem ideias de suicídio, por exemplo?)? Você não está triste, mas tem se sentido cansado, sem disposição para as tarefas cotidianas? Não sente mais prazer em nada? Sua memória anda prejudicada? É difícil prestar atenção nas coisas? Você se afastou da família ou amigos? Não dorme? Ou dorme demais?

Essas perguntas, bem como muitas outras, ajudam a delinear e a fechar um diagnóstico mais ou menos preciso. Grosso modo, pode-se sintetizar: se sua tristeza é desproporcional à situação que a deflagrou, dura tempo demais, e altera seu comportamento significativamente, você pode estar deprimido.

Voltemos a João: ele está triste porque se divorciou. Mas consegue trabalhar normalmente, e gradativamente, conforme os dias passam, ele consegue ter momentos felizes. Claro, demora algum tempo para ele estar de volta aos happy-hours da empresa em que trabalha, às vezes fica desanimado, mas no geral, João “funciona bem”. Logo, João não parece atender aos critérios para Depressão. Sua tristeza “passou”. Mas sua vizinha Maria, desde que o cachorro morreu, 3 anos atrás, sente-se triste a maior parte do tempo, quase todos os dias. Não tem vontade de fazer nada: fica em casa o tempo todo, tem dificuldade para dormir, não quer ver os amigos, não se arruma mais. Na verdade Maria se sente tão mal, mas tão mal, que abandonou seu emprego e perdeu quase 10kg, porque não sente mais vontade nenhuma de comer.

Maria tem um quadro diferente do de João. Ela teve uma alteração nítida de comportamento, e várias de suas funções fisiológicas se alteraram (o sono, o apetite, a disposição física). A duração de seu luto pelo cachorrinho é longa demais, desproporcional ao evento. Esses são os sinais indicativos mais nítidos de que Maria tem um Transtorno Depressivo.

Diagnosticar uma Depressão não é uma tarefa simples – exige uma investigação detalhada e minuciosa do quadro atual do indivíduo. Mas mesmo antes de chegar ao médico, muitas pessoas não se atentam para o que realmente significa uma Depressão, ou ao contrário, subestimam seus sintomas e passam muitos anos em sofrimento e sem buscar ajuda médica, especialmente devido ao preconceito e ao estigma social que a Depressão carrega.

Isso se torna especialmente perigoso no caso da Depressão, pois é a doença que mais incapacita pessoas no mundo, estando à frente das doenças cardíacas, neurológicas e oncológicas. Estima-se que 18% da população mundial sofra de Depressão, o que significa, atualmente, mais de 1 BILHÃO de pessoas!

Portanto, se você suspeita que você (ou seu conhecido) possa estar deprimido, atente-se para estas variáveis:

·         Humor deprimido: sentir-se deprimido a maior parte do tempo, por um período de tempo prolongado;
·         Interesse diminuído ou perda de prazer para realizar as atividades de rotina;
·         Sensação de inutilidade ou culpa excessiva;
·         Dificuldade de concentração ou de memória;
·         Cansaço excessivo e perda de energia;
·         Alteração de sono: insônia ou hipersonia (dormir demais)praticamente diárias;
·         Problemas psicomotores: agitação ou lentificação (observado por outros);
·         Perda ou ganho significativo de peso, sem estar de dieta alimentar;
·         Ideias recorrentes de morte ou suicídio. 

Se estas variáveis estiverem presentes, e alteradas, de maneira significativa, não hesite em procurar um médico ou em estimular seu conhecido para que ele o faça. Um médico competente será capaz de realizar o diagnóstico e fazer a prescrição terapêutica.

Atualmente, os melhores resultados em tratamentos para Transtornos Depressivos são encontrados a partir da combinação de medicamentos e psicoterapia (em especial a Terapia Cognitivo-Comportamental), e estes serviços estão disponíveis inclusive na rede pública de saúde. Você pode ir ao posto de saúde mais próximo de você, por exemplo.

O mais importante é não deixar uma suspeita passar em branco – se você acha que pode estar deprimido, verifique! Melhor voltar do médico com as mãos abanando e nenhum diagnóstico, do que levar anos e anos de sofrimento até recebê-lo =)